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sábado, 12 de abril de 2014

Primeiros comentários desde o Congresso Europeu de Fígado



Primeiros comentários desde o Congresso Europeu de Fígado
10/04/2014

Estou em duvida para escrever sobre o que estou vendo e discutindo no Congresso Europeu de Fígado aqui em Londres. Curiosa situação que é uma duvida cruel.

Muitas apresentações sobre tratamentos com interferon peguilado e/ou inibidores de proteases pesquisando sobre como aperfeiçoar os tratamentos, diminuir efeitos colaterais e adversos e aumentar a possibilidade de cura, mas confesso que não somente eu, como muitos dos milhares de médicos presentes estamos muito mais eufóricos e interessados nas novidades dos novos medicamentos livres de interferon. Isso é fácil de observar nos auditórios onde são apresentadas as pesquisas dos novos medicamentos, onde se encontra muita mais gente presente que nas apresentações dos tratamentos a base de interferon peguilado.

Será então que o interferon peguilado e os inibidores de proteases boceprevir e telaprevir deveriam já ser esquecidos para nunca mais serem empregados não gastando tempo nem tinta escrevendo sobre eles e dedicar a atenção somente aos novos medicamentos orais livres de interferon? Ou ainda teremos por um longo período os tratamentos com interferon peguilado em muitas regiões do mundo?

Como coloquei na abertura, é uma duvida cruel que me faz pensar dia e noite, quase sem me deixar dormir.

Fica mais que evidente que todos desejam ver o dia em que medicamentos orais, sem interferon e em alguns casos até sem ribavirina que conseguem com uma ou duas pílulas ao dia curar mais de 90% dos pacientes em somente 8, 12 ou 24 semanas de tratamento, melhor ainda, com efeitos colaterais leves que não passam de uma dor de cabeça, em alguns casos náuseas e fadiga, mas nada muito forte ou grave. Esses medicamentos são o sonho dourado de todos, infectados e médicos.

Quando analisamos o preço exorbitante do primeiro medicamento que foi aprovado em alguns países poucos poderão receber tal tratamento. Por outro lado é realidade que já em 2015 estarão aprovados e disponíveis no mercado quatro medicamentos orais livres de interferon de outros fabricantes, especulando-se que será aberta uma guerra pelo mercado ocasionando a derrubada nos preços.

OK, isso certamente vai acontecer a partir de 2015 em alguns países, não no mundo todo, mas até lá fazer o que? Continuam os médicos indicando tratamentos com interferon peguilado e os inibidores de proteases ou se os pacientes ainda estão sem cirrose avançada arriscamos aguardar a chegada dos medicamentos orais livres de interferon?

Em minha opinião aqui devemos dividir o mundo em diversos cenários. Por um lado temos países, como os Estados Unidos, onde o consenso da Sociedade Médica já recomendou passar a utilizar somente os medicamentos orais não receitando mais tratamentos com interferon peguilado e, no outro extremo temos dezenas de países que por falta de recursos ainda nem sequer dispõem do interferon peguilado nos seus sistemas de saúde, que nunca sonharam ter os inibidores de proteases. Será que esses países estarão entrando diretamente nos medicamentos orais? Se atualmente não conseguem pagar pelo interferon peguilado acredito que não terão recursos para oferecer a população os medicamentos orais.

Existem países que hoje já disponibilizam nos seus sistemas de saúde interferon peguilado e inibidores de proteases, para o qual possuem um orçamento que cobrem um número determinado de tratamentos de 48 semanas a cada ano. Com a chegada dos tratamentos orais de 12 semanas o mesmo médico terá tempo livre para tratar mais de quatro vezes o número de pacientes atual, isso é fantástico para o combate da hepatite C, um horizonte que se vislumbra como muito promissor, mas se aumentar em quatro o número de tratamentos hoje realizados e se considerarmos chegar a um preço similar ao boceprevir/telaprevir serão necessários recursos para aumentar em quatro vezes o orçamento da saúde, coisa que será muito difícil, se não impossível, de ser conseguida.

Entendem agora minha duvida? Se por mim fosse enterrava com honras militares o interferon peguilado e os inibidores de proteases boceprevir e telaprevir para nunca mais falar deles, mas devido à incógnita do preço dos novos medicamentos acho que devemos ser prudentes e pensar em cenários diferentes para cada país considerando seus sistemas de saúde e recursos públicos.

Nos próximos meses ninguém vai duvidar da conveniência de tratar todos os infectados de hepatite C com os medicamentos orais livres de interferon, passando então se discutir na área da economia sobre como otimizar os recursos, ver se dá para aumentar o orçamento ou se será necessário disponibilizar os novos medicamentos somente para grupos específicos de pacientes.

Aparecerão grupos defensores da quebra de patentes ou licenciamento compulsório, assim como os que estarão sugerindo que devido à guerra comercial entre os diversos fabricantes já em 2015 o momento é oportuno para negociar descontos significantes. Pessoalmente acredito que aproveitando a concorrência negociar excelentes descontos é a opção mais rápida para atender os infectados já que uma quebra de patente levará uns 2 ou 3 anos para viabilizar a produção.

Os governos deverão ser criativos nas negociações de preços se aproveitando do fato de existir vários fabricantes. Egito já negociou o preço anunciando que queria comprar 1 milhão de tratamentos orais em cinco anos, de qualquer um dos fabricantes, e conseguiu um desconto de 99% no preço. Em vez de 84 mil dólares vai pagar somente 999 dólares por tratamento de 12 semanas. Certamente os outros fabricantes ficarão fora do mercado egípcio, mas o governo vai conseguir tratar 200.000 pacientes a cada ano com somente duzentos milhões de dólares, curando uns 180.000 pacientes.

Tomando como exemplo meu jardim, o Brasil, onde um tratamento com inibidores de proteases e interferon peguilado custa ao governo aproximadamente 26.000 dólares mais exames, etc. etc.. Com 200 milhões de dólares hoje existentes no orçamento de medicamentos é possível oferecer 15.000 tratamentos que resultam em aproximadamente 10.000 pacientes curados. Pergunto então, porque não copiar o que fez o Egito e com o mesmo dinheiro tratar 200.000 pacientes a cada ano e curar 180.000 pacientes, já que conforme fez o Egito isso é possível, sem necessidade de colocar um centavo a mais no orçamento. Pode ser que o desconto seja menor, mas certamente com o mesmo orçamento será possível tratar um número muito maior de pacientes, isso imediatamente, assim que se negociar o desconto.

Finalizando, meus parabéns as autoridades do Egito e a Gilead pela visão estratégica do mercado.

Estou retornando ao plenário do congresso e continuarei a pensar se escrevo ou não escrevo sobre os tratamentos com interferon peguilado e inibidores de proteases ou se já passo a falar praticamente 100% dos novos tratamentos com os medicamentos orais?

Semana próxima, já de regresso ao Brasil, é que estarei divulgando as novidades apresentadas no congresso.
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