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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A Visão do Paciente


Segue o texto integral do Capitulo 107, da minha autoria, que se encontra na Página 1.257 do Tratado de Hepatites Virais e Doenças Associadas - 3º Edição - Editor Científico Roberto Focaccia, coordenando 227 colaboradores/autores/pesquisadores internacionais - Editora Atheneu - 2013, que acaba de ser editado.




Capitulo 107

A Visão do Paciente


Carlos Varaldo

A hepatite C é uma doença silenciosa ou está silenciada? A pergunta é oportuna, pois por causa do desconhecimento da hepatite C, ocasionado por falta de efetivas campanhas do governo, a maioria da população nunca ouviu falar da doença. E isso acaba fazendo com que a pessoa portadora de hepatite C tenha dificuldades para enfrentar a doença, encontrar tratamento ou até contar sobre sua condição, com medo de ser mal interpretada.

A população, geralmente, nunca teve informações sobre a hepatite C ou soube de inverdades horríveis sobre a doença, criando no seu inconsciente uma barreira de discriminação muito forte. Muitos amigos do círculo social, colegas de trabalho e até familiares podem ter uma reação de distanciamento, seja por acharem que você tem uma vida nada aceitável ou até por medo de ser infectados se ficarem perto.

As poucas informações fornecidas pelo Departamento do Ministério da Saúde sobre as hepatites criam na população esse sentimento de rejeição contra os infectados. Nessas poucas informações que tentou transmitir para a população, cometeu o erro de colocar a hepatite C ao lado hepatite B e da AIDS, duas doenças totalmente diferentes na forma de contagio. Sendo assim, sempre alerta sobre a necessidade de usar camisinha na relação sexual e de evitar bebidas alcoólicas.

É claro que em toda relação sexual deve-se usar camisinha para evitar a possibilidade de uma doença sexual. No entanto ao se informar isso quando se divulgam informações sobre hepatite C, cria-se no imaginário da população que a hepatite C é uma doença sexualmente transmissível. Isso é uma tremenda desinformação, pois mundialmente a hepatite C não é considerada uma doença sexualmente transmissível (DST). Os portadores ficam marcados como promíscuos, causando problemas com os parceiros, os quais acham que tiveram relações fora de casa, em alguns casos resultando até em separação. A hepatite C somente se transmite por contato direto de sangue a sangue, isto é, o sangue de uma pessoa infectada terá que entrar na corrente sanguínea de outra pessoa para ocorrer o contagio.

A recomendação de não ingerir bebidas alcoólicas é necessária, mas se não houver explicações, dá a entender que o álcool é fator que provoca hepatite C. É normal ocorrer de alguém diagnosticado não entender porque está infectado se não faz uso de álcool. O álcool prejudica o fígado e deve ser evitado, mas, não ocasiona a hepatite C.

A falta de vontade política por parte do governo brasileiro em enfrentar a epidemia de hepatite C, com uma estimativa de aproximadamente 3 milhões de infectados cronicamente, é facilmente constatada pelos próprios números oficiais, os quais podem ser acessados na internet. Um programa governamental não pode ser avaliado por ações, promessas ou intenções, mas sim pelos resultados alcançados. A seguir constam números do que aconteceu com a hepatite C desde a incorporação no Departamento DST/AIDS, números esses altamente preocupantes.

Desde a incorporação das hepatites no Departamento DST/AIDS, nos últimos quatro anos, a hepatite C permanece paralisada, não tendo conseguido aumentar em qualquer percentual o número de pacientes em tratamento, nesse período de muitas promessas e poucas realizações. A seguir, utilizando-se somente números oficiais, é apresentado um panorama atual da hepatite C no Brasil.

Somente um de cada 260 infectados com hepatite C é tratado no Sistema Único de Saúde (SUS), diferentemente da AIDS, em que um de cada três infectados recebe tratamento. O número de pessoas de todos os genótipos em tratamento para hepatite C crônica no último quadrimestre de cada ano (2009-2011) segundo dados fornecido por DAF/Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - MS, comprova que a capacidade de atendimento não aumenta:

Ano
Número de pessoas em tratamento 
2009
10.111
2010
11.628
2011
11.505
Fazem parte desse total de pessoas em tratamento:
(a) monoinfectados por HCV genótipo 1 (tratamento e retratamento);
(b) coinfectados HIV-HCV;
(c) genótipos não 1 (tratamento e retratamento).


Segundo o Boletim Epidemiológico "Hepatites Virais" (Brasil, Ministério da Saúde. Ano II - nº 1, 2011- Sinan/SVS/MS), a proporção estimada de coinfecção HCV-HIV variou de 9,8 a 13,8% entre os anos 2007 e 2010. Pelos dados oficiais, verifica-se que somente no primeiro ano aconteceu um aumento no número de tratamentos, permanecendo estável a partir de 2010. A média de pacientes tratados nos últimos três anos foi de 11.081 pacientes/ano.

Para se avaliar como anda o enfrentamento da epidemia, é necessário conhecer o aumento da oferta de tratamento, isto é, quantos novos infectados entram no sistema. Para tal, é necessário comparar o que aconteceu desde a criação do Programa Nacional de Hepatites Virais (PNHV), em 2003. Na denuncia de desvio de faturamento do Interferon Peguilado (R$. 231.000.000,00), realizada pelo Grupo Otimismo no Ministério Público Federal e na Controladoria Geral da União, consta confirmado no processo pelo MS que naquele ano de 2003 foram tratados 7.500 pacientes.

Como em 2003 os coinfectados não recebiam tratamento, é necessário descontar da média de tratamentos de 2010/2011 o número de tratamentos de coinfectados, os quais representam 1.311 tratamentos segundo o Boletim Epidemiológico. Também em 2003 praticamente não existiam retratamentos, portanto devem-se descontar, para poder calcular com exatidão o acesso de novos pacientes ao tratamento, os pacientes retratados nos últimos três anos. Não existe controle no MS sobre o número de retratamentos, sendo estimados em aproximadamente 10%, uma média de 1.212 retratamentos a cada ano.

Como conseqüência, para se conhecer a real oferta de tratamento a novos infectados que ingressam para tratamento no SUS, da média de 11.081 pacientes/ano devemos retirar 1.311 tratamentos de coinfectados e 1.212 retratamentos, o que resulta numa oferta de ingresso no sistema SUS de 8.558 pacientes a cada ano.

Em 2003, ano da criação do PNHV, 7.500 pacientes ingressavam no sistema, e nove anos após a oferta de ingresso a novos infectados é de somente 8.558, comprovando que muito pouco se avançou nesse longo período. Houve um aumento da oferta de somente 1.050 pacientes em nove anos.

Deve-se reconhecer que os números mostram claramente que se fracassou nos seis anos do PNHV e se continua fracassando nos quatro anos da incorporação no Departamento DST/AIDS. Os números são frios, mas mostram a real situação. Nenhuma explicação sobre ações, capacitações, reuniões, etc., poderá ser convincente, nem deve ser aceita, pois se cairá no perigo de aceitar o gerúndio como explicação correta.

Tornasse necessário, imediato e urgente reunir numa mesma mesa governo, laboratórios, sociedades médicas e sociedade civil para discutir uma forma diferente e mais efetiva de enfrentar a epidemia de hepatite C, para oferecer acesso ao tratamento no SUS. Praticamente 10 anos foram perdidos, Não se pode perder mais tempo. É necessário planejar estrategicamente, com metas quantificáveis, e cobrar resultados de quem é responsável no MS.

Estamos sentados alegremente sobre uma bomba viral, mas essa bomba já começou a explodir. Qualquer médico observa no hospital que atualmente o número de pacientes em tratamento com fibrose avançada ou cirrose já é superior aos pacientes com fibrose moderada. Na lista de espera para um transplante de fígado, a maioria é de pacientes com hepatite C.

RECOMENDAÇÕES AO PORTADOR

- Contar que você é portador de hepatite C é uma decisão de foro intimo e isso só deve ser feito se você estiver preparado para aceitar a reação das pessoas.

- Os que desempenham algumas profissões ou atividades devem evitar contar. Por exemplo, se um cozinheiro de restaurante contar, é muito provável que seja demitido. Avalie em que situações você pode contar.

- As primeiras pessoas que poderão conhecer sua situação são aquelas nas quais você confia plenamente, pois elas poderão ajuda-lo. Peça conselhos a elas antes de contar aos demais.

- Revelar ser portador aos familiares e aos profissionais de saúde é difícil, mas você vai precisar do apoio e compreensão deles, por isso eles devem conhecer sua situação.

- Certamente, por desconhecerem a hepatite C, as pessoas que ficarem sabendo farão a você sobre a doença, por isso é importante que você se informe sobre ela, as formas de contagio, a evolução, os sintomas e tratamentos entes de falar sobre sua situação.

- Se você for discriminado no trabalho, procure o departamento do pessoal e denuncie a situação. Se for demitido, grave e registre as situações discriminatórias para poder provar na Justiça a discriminação sofrida. Além de ser readmitido, poderá ganhar um bom dinheiro pelo dano moral sofrido.

- Antes de se candidatar a um emprego ou realizar um concurso, tente se aposentar por ser portador de hepatite. Certamente o instituto vai negar a sua solicitação atestando que você está apto para o trabalho. Guarde esse documento, pois ele será de extrema validade se você não for admitido pelo fato de ser portador de hepatite. Com esse laudo, é só procurar o Judiciário e solicitar, por meio de uma "Ação Cautelar", o seu direito a não ser discriminado. O Juiz emitirá uma liminar imediatamente e você será admitido.

- Todo médico eticamente correto vai respeitar o juramento que fez na formatura e indicar o melhor tratamento para recuperar a saúde do paciente. Pode ser que tal indicação não seja contemplada na portaria do SUS ou o tratamento seja negado pelo estado. Agradeça ao médico pela preocupação de receitar o melhor e imediatamente cuide de seu direito de cidadão garantido na Constituição Federal, procurando a Justiça para receber o tratamento. Lute pela sua vida.


Carlos Varaldo
e-mail: hepato@hepato.com - e-mail opcional: grupootimismo@gmail.com
www.hepato.com




 
     

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