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sábado, 13 de abril de 2013




Idas, vindas e desencontros no tratamento no SUS com os inibidores de proteases


Um verdadeiro samba do crioulo doido está acontecendo após a publicação do "Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite Viral C e Co-infecções - Tratamento com inibidores de proteases no SUS".

A rede de tratamento da hepatite que já sofria com carências na capacidade de atendimento encontra-se agora totalmente desnorteada, perdida e até em alguns casos desestruturada, sem saber que caminho tomar.

Ontem em São Paulo durante o 2º Workshop de Hepatites Virais do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, Organizado pelo Professor Roberto Focaccia, no qual apesar de ser um evento aberto e amplamente divulgado estávamos presentes somente duas ONGs e assim mesmo realizamos diversas intervenções em defesa dos infectados, estávamos presentes o Grupo Otimismo e o Jeová do Grupo Esperança de Santos numa plateia de mais de 100 especialistas.

Todo o evento foi centrado nos inibidores de proteases, com apresentações dos médicos Fernando Gonçales, Décio Diament, Paulo Abraão, Marcos Caseiro e Kleber Dias do Prado, todos altamente experientes por terem já tratados centenas de pacientes com boceprevir e telaprevir.

O que ficou comprovado é que no Brasil, antes de introdução no SUS já foram tratados uns 1.700 pacientes, praticamente todos por ações judiciais, e que até o momento nenhuma morte aconteceu por culpa "direta" dos inibidores de proteases, ainda, ficou demonstrado que os efeitos adversos relatados são em menor incidência que os constantes nos ensaios clínicos de registro ou os relatados no estudo CUPIC.

A experiência acumulada com o tratamento de 1.700 pacientes colocam os profissionais brasileiros como os mais capacitados dos países emergentes, inclusive de vários países considerados do primeiro mundo ou do grupo dos BRICS. Portanto não dá para entender como o Ministério da Saúde aprova um Protocolo onde colocam que como não existe experiência no tratamento com os inibidores no Brasil e somente alguns poucos centros de referencia com equipe multidisciplinar, centros de internação para emergências, transfusão de sangue, etc., etc., poderão realizar tais tratamentos.

Duvido que o pessoal que fez o Protocolo desconheça a realidade da experiência acumulada dos profissionais brasileiros, então não encontro outra explicação que não seja a de dificultar o acesso ao tratamento limitando a quantidade ofertada.

Pior ainda, colocaram os fluxos de autorizações de tratamento e a logística de distribuição e entrega dos medicamentos dentro do Protocolo, quando o lógico seria colocar isso em Normas Técnicas. Um Protocolo somente deve ter as diretrizes terapêuticas, ser o "guideline" para o tratamento. A burocracia para aprovação, distribuição e outros procedimentos administrativos devem ser feitas por meio de Notas Técnicas, pois ao ser colocadas no Protocolo engessam qualquer alteração ou adequação que tenha que ser realizada. Enquanto uma nova Norma Técnica se faz rapidamente, alterar um Protocolo leva meses. Realmente, o Departamento DST/AIDS/Hepatites extrapolou no uso da caneta e papel, para apresentar um Protocolo de muitas páginas colocou tudo no mesmo caldo, mas a sopa não ficou saborosa, pelo contrario.

Voltando ao evento foi muito interessante o "Painel de Discussão" onde a Dra. Claudia, coordenadora do Programa Estadual de Hepatites apresentou o quadro existente para tratamento com boceprevir e telaprevir no estado de São Paulo. Explicou que para atender as exigências da "Portaria nº 20" do governo inicialmente poderão ser somente alguns poucos centros referenciados (umas duas dúzias) com um quantitativo de pacientes pequeno, alguns esperam atender 20 pacientes e uns poucos chegam a 100 tratamentos, mas o que chamou a atenção deixando a plateia irada foi que como esses centros já se encontram lotados de pacientes somente alguns deles ofereceram vagas para pacientes "externos", isto é, encaminhados de outros centros de saúde ou por médicos particulares, mas a quantidade de vagas para tal pacientes em todo o estado de São Paulo será de somente para 110 tratamentos.

A discussão foi geral. Médicos de hospitais que tratam a hepatite C há anos e que possuem condições e experiência para tratamento da hepatite C foram deixados fora. A Dra. Claudia prometeu que uma revisão seria realizada em aproximadamente 45 dias, mas isso não tranquilizou a plateia.

Questionei se médicos particulares ou médicos de serviços que cuidam dos infectados há anos estarão proibidos de tratar os pacientes com boceprevir e telaprevir. Os pacientes estão confiantes e satisfeitos com o atendimento recebido e não querem mudar de hospitais para serem encaminhados a uma "lista de espera" para essas poucas 110 vagas em todo o estado, formando uma lista de espera e conseqüentemente resultará em judicialização da saúde.

Fiquei satisfeito com a resposta, pois ela informou que esses profissionais poderão, sim, efetuar os tratamentos, mas que deverão solicitar a um dos centros referenciados a aprovação seguindo tudo o exigido no Protocolo. O Comitê Técnico do Centro de referencia, aprovando, passa então a fornecer o medicamento para que o paciente seja tratado por seu médico particular ou no centro de saúde no qual já se encontra.

É uma iniciativa muito boa, mas não sei ainda se isso será uma determinação do estado de São Paulo que sempre esteve na vanguarda no tratamento ou se isso vai ser aplicado em todos os estados do Brasil.

A Dra. Claudia explicou que um grande problema passa a ser a dispensação do boceprevir e telaprevir, pois deverá ser realizada pelo "HÓRUS: Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica", um sistema que complica devido à quantidade de informações que devem ser incluídas.

Novamente a sociedade civil se sente traída pelo Departamento DST/AIDS/Hepatites, pois no ano passado o Dr. Dirceu Greco se comprometeu, por escrito em documento oficial, que no segundo semestre de 2012 os medicamentos para tratamento das hepatites seriam retirados da lista de medicamentos especializados e seriam incluídos na lista de medicamentos estratégicos, passando a ser distribuídos pelo sistema SICLOM, muito mais pratico, rapído e eficiente que o HÓRUS.

Essa exigência das ONGs de hepatites é porque após a dita "integração" das hepatites no programa de AIDS, e já passados quatro longos anos, ainda não aconteceu qualquer igualdade na atenção dada as hepatites quando comparada com a atenção dada a AIDS, não passando de uma ludibriada "incorporação", pois se fosse "integração" a rotina de dispensação de medicamentos deveria ser a mesma para as duas doenças. Se em quatro anos ainda não aconteceu essa simples mudança nas rotinas administrativas fica evidente que os infectados com as hepatites foram enganados pelo Ministério da Saúde, objetivando somente esconder uma epidemia que atinge cinco milhões de brasileiros e que se enfrentada ocasionará gastos ao governo.

País rico pode ser, sim, um país sem miséria, mas para ser verdadeiramente um país rico deve ser também um país sadio, que atende em igualdade seus doentes, seja qual for a sua doença.

Carlos Varaldo
www.hepato.com
hepato@hepato.com

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